QUANDO SE MORRE EM ACIDENTE E A “CULPA” É SOMENTE DA ESTRADA
* Luiz Eduardo Costa,
As estradas, as mortes, as providências.
As chuvas intensas danificaram muito as estradas sergipanas. Mesmo aquelas recentemente construídas ou, há pouco tempo reformadas. O volume de chuvas neste inverno que quase termina foi superior à média dos últimos anos.
No inicio do seu governo, antes de completar três meses, o governador Marcelo Déda já dava início a uma obra de recuperação que poderia ser considerada reconstrução completa. Fez isso na rodovia estadual Se. 203, que tem como pontos extremos a BR-235 em Itabaiana e a divisa de Sergipe com a Bahia, no município de Canindé. Passou a ser chamada de Rota do Sertão, ou dos Canions, como prefere o marketing turístico.
No seu terceiro mandato, o governador João Alves voltava as vistas quase unicamente para a construção da grande ponte ligando Aracaju à Barra dos Coqueiros. Queria terminá-la o mais rápido possível, e considerava aquela obra um projeto estratégico para vencer a eleição e alcançar um quarto mandato.
Como se sabe não foi o que aconteceu.
João Alves cometeu o erro de imaginar que a espetacular ponte seduziria os eleitores, principalmente os da Grande Aracaju, representando, na época, algo próximo de um terço dos votantes .
Com escassez de recursos, cortou outros projetos, e direcionou para a obra da ponte dinheiro destinado à conservação de estradas, inclusive, aquela rodovia a Se-203, que ele mesmo reformara ou construíra no primeiro mandato, antecipando-se, para que Sergipe se tornasse o maior beneficiário da iniciada usina, tendo a ligação principal com o canteiro de obras gigantesco da hidrelétrica de Xingó. Começaram a trafegar pela Se- 203 pesadas carretas, tratores, máquinas de muitas toneladas .O asfalto foi cedendo, e logo o leito da castigada estrada assemelhava- se a um panorama lunar. Com buracos por toda parte, áreas imensas de puro chão. O trecho Canindé – Aracaju não se fazia em menos de cinco horas ( são 200 km). Com o turismo apenas começando, não havia perdas maiores a assinalar a registrar, hoje, Canindé é o segundo polo do turismo sergipano, para onde convergem ônibus, vans, e automóveis lotados de turistas.
Na época de João Alves, no seu terceiro mandato, a estrada em frangalhos acabou sendo motivo indireto de “ geração de empregos” . Nos piores trechos, juntavam-se meninos, ou mesmo homens feitos, e ficavam a simular que tapavam buracos com piçarra. Aproximavam-se então dos veículos que se moviam lentamente e pediam dinheiro. No começo as pessoas eram solícitas, atendiam aos “ trabalhadores “ voluntários, isso, até descobrirem que eles apenas tapavam e abriam os mesmos buracos. Assim, sem o saber seguiam a linha de pensamento do talvez mais famoso dos economistas John Maynard Keynes, segundo o qual em tempos de recessão admite-se até cavar e tapar buracos, desde que gerem empregos. No caso, os infelizes farsantes, dependiam da caridade pública.
Uma rádio que fora instalada há pouco tempo em Canindé do São Francisco, a Xingó – FM, empenhada na campanha de Marcelo Déda produzia, a toda hora, comentários desse gênero: Está indo a Aracaju ou dirigindo-se a Xingó? Muito cuidado! Há buracos de toda espécie na pista, pequenos, grandes, enormes, e há pedaços de carros acidentados por toda parte.
Na verdade, ninguém conseguia fazer o trajeto sem ter um pneu furado, ou uma jante despedaçada. Isso, era a menor das consequências, porque ocorriam acidentes graves, causando ferimentos e mortes.
Esse martírio durou mais de três anos.
E na emissora de rádio acrescentava-se : se você conseguir chegar a Aracaju, vá na rua da Frente, olhe no outro lado do rio a ilha da Barra dos Coqueiros, e vai ver a estrutura enorme de uma ponte crescendo rapidamente. Para aquela ponte João Alves está levando todo o dinheiro que deveria servir para recuperar as estradas arrebentadas de Sergipe, e melhorar o atendimento no sistema de saúde.
O discurso oposicionista, que se revelaria depois um tanto injusto, contribuiu para que, no sertão, João Alves sofresse a primeira derrota desde que iniciara a sua vida política, sendo candidato ou apoiando candidatos.
A ponte da Barra, foi mesmo, como observou o então candidato à presidência da República Geraldo Alckmin , “ Uma obra que por si só justificaria um governo”.
Mas, desde aquela época o povão já não se impressionava com cimento armado, queria, ou exigia, que os governantes cuidassem dele, tal como Lula faz agora , mas, sem perder de vista que obras geram emprego, aceleram o desenvolvimento. Desde que haja uma prioridade na equação básica do custo benefício.
João Alves abriu a ponte ao tráfego antes das eleições, no prazo que anunciara, mas, amargou a lição da derrota, e, inteligente que era, deve ter constatado que em política o voluntarismo envolve sérios riscos.
Nunca, como agora, a chamada Rota do Sertão necessitou tanto de reparos urgentes, porque vivemos um tempo em que o conceito de cidadania espalhou-se por todos os setores sociais e, com isso, as exigências e as cobranças exigem redobradas atenções dos poderes públicos.
Mais ainda, porque já ocorrem acidentes, três deles fatais, num prazo de menos de uma semana, entre Poço Redondo e Canindé, num trecho dos mais esburacados.
Não foi emitido ainda o laudo técnico, mas, para a população a causa teria sido os buracos na estrada.
O experiente engenheiro Jose Carlos Machado, homem que nos três governos de João Alves comandou as mais importantes obras de Sergipe, diz, em tom de lamento, que do DER-Se, não se pode esperar muito. Faz elogios ao corpo técnico do Departamento de Estradas, mas, lembra que um engenheiro recebe, mesmo em fim de carreira salários irrisórios, e isso não estimula ninguém, por mais dedicado que seja . Acrescenta que o quadro funcional do Departamento está envelhecido, necessita ser renovado através de concurso público, e com salários mais atraentes.
Machado conta que durante o primeiro governo de João Alves ele que dirigia a CEHOP , foi convidado para ocupar uma vaga no Tribunal de Contas. Hesitava, e João o chamou para uma conversa. Machado então resumiu tudo: João, como engenheiro eu ganho o mesmo que um Conselheiro do Tribunal de Contas, não aprecio o trabalho burocrático, então o que eu iria fazer lá ?
João concordou e encerrou-se o assunto.
Mas, transcorridos desde então mais de trinta anos o salário de um engenheiro não chega sequer a um quarto do que percebe um Conselheiro do TC.
O que teria acontecido, os ganhos dos Conselheiros subiram exponencialmente, ou, os dos engenheiros e técnicos do Executivo, de uma maneira geral foram congelados ou decresceram?
Um dia, que vai longe, o psiquiatra e destacado intelectual Garcia Moreno resolveu fazer um concurso para catedrático de biologia do Atheneu Sergipense, cargo na época apenas razoavelmente remunerado. Apresentou uma tese sobre a Maconha, e no exame oral, diante de uma banca onde estava o professor Barreto Fontes, o famoso Barretão, ele, ao final, dirigindo-se ao ilustre examinado disse: Meu caro doutor Garcia Moreno, eu, como os demais integrantes desta Banca, lhe daremos a nota máxima, e faremos isso em consideração ao seu imenso saber, porque a tese apresentada pelo ilustre colega não está à altura do seu valor intelectual.
Houve silêncio, Garcia Moreno, conhecido pela sua espirituosidade, as vezes ferina, empertigou-se na cadeira e respondeu: “ Meu caro e preclaro examinador professor Barreto Fontes e todos os demais ilustres componentes que me avaliam. Eu só tenho a dizer-lhes uma coisa : a minha tese está, exatamente, à altura do salário que irei receber.
Soaram pelo salão palmas estrepitosas.
Voltando ao DER aos engenheiros e aos buracos. É evidente que não se poderá nunca exigir de quem tão pouco ganha, que venha a muito fazer.
Além do mais o antigo e antiquado departamento está sucateado, e isso se observa até pelo aspecto embolorado da sua sede, demais edificações ocupadas, e o maquinário disponível.
Em relação às estradas, ou especificamente à SE-203, as chuvas, de fato, impediram que a tempo e à hora os buracos, as crateras, os estragos em geral, viessem a ser consertados, mas, é preciso ter em mente que quem constrói estradas e por elas zela, é responsável quase direto pela vida das pessoas que por ali transitam.
Assim, nos atrevemos a sugerir que, diante de situações que tais, possa, tempestivamente, acontecer alguma ação voltada para prevenir, e tentar evitar os acidentes e as tragédias.
Nos locais mais afetados, se poderiam colocar placas, placas e mais placas, alertando para o perigo, e que, durante a noite, ficassem bem iluminadas.
Poderia haver, por precaução e previsibilidade, um estoque farto dessas placas nos almoxarifados do DER-Se. VIDAS, IMPORTAM.
* Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
