O PORTO SERGIPE UM TEMA QUE VOLTA

 

Luiz Eduardo Costa 3/2023

*

 

O porto que foi tão sonhado e agora é pequeno 

Sergipe já tem um porto, é oceânico ( off- shore ). Fica na Barra dos Coqueiros, e poucos sergipanos o conhecem .
Para conseguirmos a construção desse porto foram quase cem anos de resilientes tentativas.
Aracaju surgiu em 1855. Tornou-se uma capital a ser construída exatamente porque  seria uma cidade portuária. O largo  estuário do rio Sergipe, ofereceria melhores condições, e, por isso,  a então tricentenária  São Cristovão perdeu a condição de ser capital de uma Província de olhos voltados ao mar.

A  nova capital sergipana transformou-se, efetivamente, numa cidade portuária. Mas era tudo muito acanhado, exportávamos pouco, basicamente açúcar, e importávamos muito menos. As instalações resumiam-se a um cais construído com um grosso madeirame que avançava uns quarenta metros sobre o leito do rio. Ficava no centro da cidade, exatamente em frente ao cruzamento da rua de Laranjeiras com a avenida  Ivo do Prado, a chamada Rua da Frente. Uma vez por semana acostavam ali um ou outro navio de cabotagem do Loyde, da Costeira, estatais , em torno de mil toneladas. Chegavam barcos menores, de pequenas empresas de navegação sergipanas, como a do grupo Peixoto Gonçalves,  de apenas dois navios o Brasiluso  e o Lusobrasil . Esses navios também transportavam passageiros, alguns tinham a primeira, a segunda e a terceira classes.
Chegavam também os saveiros pequenos barcos à vela, provenientes de vários locais da região da Cotinguiba, e vinham também de outros estados. Nos dias de feira eles eram numerosos, atracando em frente ao Mercado Central.
Sergipe sem estradas de rodagens e de ferro, era inteiramente dependente do mar, e Aracaju o polo de distribuição das mercadorias.

Por muito tempo o mar permaneceu sendo  a única forma de ligação de Sergipe com o resto do Brasil, até  quando foi inaugurada a linha férrea da Leste Brasileiro, ligando Aracaju a Salvador e  Propriá. A primeira rodovia federal a ser pavimentada foi a BR-101.Isso aconteceu no governo Lourival Baptista, que também asfaltou a primeira estrada estadual, e o Ministro dos Transportes coronel Mário David Andreazza, candidatíssimo a substituir seu padrinho o presidente Costa e Silva, veio inaugurar a anunciar a ponte sobre o São Francisco em Propriá, e assim fazia a sua campanha. Esqueceu porém da sua patente  apenas de coronel, e o colégio  restrito de eleitores era formado  por generais quatro estrelas, que escolhiam-se entre si  mesmos. Apesar de ter comandado um enorme volume de obras, Andreazza morreu pobre .  Enfermo, no fim da vida, precisou da ajuda de amigos. No final dos anos trinta, aviões anfíbios já  amerrissavam no Sergipe, e atracavam num flutuante . Era um espetáculo raro e atrativo, juntando gente para  ver as manobras do avião e os cinco ou seis passageiros embarcando ou desembarcando, usando um bote. Nesse tempo inaugurou-se o Aeroclube de Aracaju, uma iniciativa de particulares, liderados por Walter Baptista, e aviões comerciais com maior capacidade, incluíram Aracaju nas suas escalas.

A barra do Sergipe, que nunca foi fácil, começou a assorear , dificultando cada vez mais o acesso ao porto. Além de rasa, o canal de acesso variava muito a cada ano exigindo a perícia de  práticos, entre os quais, pelas suas raras habilidades  e familiaridade com o mar, Zé Peixe destacou-se , tornando-se famoso em todo o país.
Melhorar o acesso ao porto gerou uma promessa resiliente de vários candidatos. Houve tentativas de dragagens, a maior delas no governo Leandro Maciel, que conseguiu do presidente Juscelino Kubitschek a vinda a Sergipe da draga holandesa Antuérpia.  Chegou a  Aracaju a nave escavadora batava  entre o som de bandas de música e o espoucar de foguetes. Era o “futuro que nos invadia” transpondo a Barra problemática, que logo  nos daria   “ livre acesso ao mundo.” Passados alguns meses deu-se por concluído o trabalho, os neerlandeses de olhos azuis, se não chegaram a aprofundar devidamente o compacto leito do mar, andaram a frequentar outros leitos, mais acessíveis e prazerosos,  e por aqui foi nascendo uma numerosa prole de crianças loirinhas. Justificavam -se então aqueles  perfumados lencinhos brancos, agitados languidamente em adeuses de despedida por moçoilas e matronas,  alimentando a tênue e poética   esperança de um reencontro em outras plagas, por onde estivessem mourejando os guapos rapazes dos  Países Baixos
.
Em seguida, aqui aportou um paquete quase de umas cinco mil toneladas, e veio impoluto acostar aos rangentes mourões do cais do porto aracajuano, onde estavam a aguardá-lo  autoridades enfatiotadas, madames ostentando faiscantes pedrarias ( detalhe: não eram presentes de algum sheik das arábias) enquanto o eloquente tribuno o Promotor Público Marques Guimarães, bem posicionava-se entre pigarros  de plenitude estomacal, para bem exercitar a  flamejante oratória , logo que o maestro Feijó  pacificando a sua batuta com as últimas estrofes do Hino Nacional, sinalizasse a “overture”  da  ópera de verbosidade solene a cargo do orador oficial.
A festa acabou, a barra fechou, o porto não veio, o sonho terminou, e os sedutores marujos escavadores, nunca mais voltaram, deixando as mães desencantadas, e olhando tristonhas os horizontes de uma barra sem navios.
No final da década febril dos anos sessenta, começou o debate com ares acadêmicos, sobre a viabilidade do porto. Não era exatamente um debate, era um duelo de  dois “pistoleiros “ que se enfrentavam por uma boa causa, e se faziam seguidos por plateias entusiasmadas. E isso atravessou alguns anos. De um lado, o jornalista e usineiro Orlando Dantas, um engenheiro pela metade e um estudioso fremente da realidade sergipana; do outro, o economista e professor Aloísio de Campos, farol de toda uma geração de desenvolvimentistas.

Orlando queria um porto fluvial, ali mesmo, onde já estava, e  ele da sua janela dos escritórios da Usina Vassoura e da redação da Gazeta de Sergipe, tão bem o enxergava, na sua forma primitiva, e que imaginaria alargada, desde que a barra fosse dragada de forma permanente, e não apenas esporádica.
Ou, argumentava ainda o jornalista: desde que, desempedido o acesso do mar ao rio, chegava-se ao estuário  alargado e profundo, então, o porto poderia ficar em local mais conveniente do que o centro da cidade, tanto numa margem como na outra, desvirginando-se a Barra dos Coqueiros, quase intocada, coisa que caberia depois a ser feita por João Alves, com a ponte, e antes com o próprio porto, o chamado off-shore ( em mar aberto), a tese que acabou vencedora. Engajados nessa premissa, fundamental para Sergipe,  os governadores que se sucederam  batalharam, esperando que uma decisão técnica definisse o ponto onde o porto seria feito. Foram eles, Jose Leite, Arnaldo Garcez, Leandro Maciel, Luiz Garcia, Seixas Dória, Celso de Carvalho, Lourival Baptista, Paulo Barreto, Jose Leite, Augusto Franco, João Alves, Antônio Carlos Valadares, no mandato deste último,  o porto já iniciado na Barra dos Coqueiros foi finalmente concluído.
Aos poucos, a tese do porto off- shore foi ganhando maior consistência técnica em face das conclusões dos relatórios de consultorias especializadas.

Era estimulante ouvir as palestras, os debates, ler os artigos, acompanhar os estudos técnicos que se realizavam no CONDESE, em parceria com a Universidade  Federal Gaúcha, em Pelotas, que montou  em escala reduzida uma réplica do estuário do Sergipe, reproduzindo as correntes marítimas, as  descargas do rio, a variação periódica do canal de acesso, os ventos soprando nas diferentes estações, e até a areia trazida das dunas pelo vento nordeste e depositada no leito do rio, o que era inicialmente entendido como a causa do assoreamento. Por isso, plantaram-se intensamente tipos de plantas raseiras que fixavam o solo arenoso.
Os estudos chegaram à conclusão negativa sobre a possibilidade do porto fluvial, rejeitando-se, por excessivamente onerosa   a ideia de um longo enrocamento acompanhando o canal, formando uma espécie de avenida profunda que, todavia, teria de ser permanentemente dragada.

A solução menos viável seria mesmo o porto de mar, o tão falado  off – shore.
Mas, houve outro obstáculo: a plataforma marítima sergipana  avançava pelo mar com o acúmulo,  através de um longo tempo geológico das descargas  do rio São Francisco. Isso ocorria  com muito mais intensidade no lado direito, o sergipano,  consequência de uma corrente africana, que, originada na baia de Luderitz, na África do Sul faz um semicírculo atravessando o Atlântico.   Próxima às praias alagoanas,  a corrente inflete, faz um cotovelo e se dirige ao sul, assim, o material que o rio despeja no mar é arrastado quase todo para  a costa sergipana . Dessa forma, dizem os estudiosos das coisas oceânicas o mar sergipano se tornou raso. Os que vez por outra pescam distantes das praias, e ao mesmo tempo  se divertem com a batimetria, constatam:   a duas ou três milhas de distância  a profundidade raramente chega  a vinte metros.
Por isso, o nosso porto  exigiu uma estrutura sobre pilotis avançando mar a dentro quase dois quilômetros, para encontrar um ponto onde houvesse uma profundidade em   torno de seis a oito metros. Para barcos superiores a trinta mil toneladas isso é muito pouco, e iremos precisar de alguns bem maiores.

De olhos postos no futuro, com a possibilidade de Sergipe vir a ter muito o que exportar, o governador Mitidieri, anunciou que está analisando a hipótese de construção de um  segundo porto off-shore.
O que existe pertence a uma subsidiária da VALE, que parece satisfeita com a capacidade existente, que é reduzida, e não permite o atracamento de navios com calado além de cinco metros. É moderno, tem uma eficiente esteira de transporte, opera com reduzida mão de obra, mas, para o que se imagina   não servirá.
Estudos preliminares já apontariam uma outra área, onde   existiria, a menor distancia, uma adequada profundidade; o problema seria a logística em terra, e a disponibilidade de área ampla para o retroporto,   vantagem locacional que beneficia o Terminal  da Barra.

Agora, é fundamental definir -se: a PETROBRAS dará mesmo prioridade à bacia Sergipe- Alagoas, e apontará com algum grau de previsibilidade, qual mesmo a data para que as jazidas de gás e óleo comecem mesmo a produzir os insumos essenciais para a expansão do polo de fertilizantes, e outros produtos derivados? Quando, de fato, Sergipe será mesmo um estado exportador, a necessitar de  novo porto, que, aliás, também se justificaria como mais um ponto de escoamento para o   agronegócio nordestino?
Uma observação : diferentemente das décadas de 50, 60 e 70, quando os temas relacionados ao desenvolvimento galvanizavam as atenções das elites do saber, das áreas empresariais e políticas, da área sindical, enfim, de toda a sociedade, hoje, o que rola nas mídias mesmo são esquisitices  do tipo daquelas que fizeram famoso um Dona Trampi,  conspícuo ocupante da nossa Assembleia Legislativa.

 

* Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências. Além desse blog, é colunista do Portal F5 News.

(79) 99971-9933

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *